Pátria Amada, Futebol

  




O
 jornalista Juca Kfouri, gigante pensador do esporte no Brasil, sobretudo do futebol, em sabatina concedida ao Roda Viva, em 2014*, conta que, antes da Copa do Mundo do Brasil, recebeu uma ligação de Daniel Cohn-Bendit (Dany, Le Rouge), um dos líderes da famosa movimentação popular pariesiense, em maio de 1968. Cohn-Bendit queria saber o que explicaria um fenômeno entre os jogadores de futebol brasileiros: o alto índice de participação política entre os boleiros. Juca, naturalmente, como eu e você faríamos, questionou: "que alto índice?", citando o nome de menos de dez jogadores. E o francês rebateu: "quantos nomes de atletas europeus você consegue citar?"

    Pois bem. Quem conhece um pouco da história do futebol no Brasil sabe que temos, sim, embora ainda distante do desejado, participação dos atletas no cenário político. Verdade seja dita, para bem e para mal. Talvez o caso mais emblemático seja o da "democracia corinthiana", na década de 80, que concedeu voz ativa aos atletas e funcionários em decisões internas e externas do clube paulista. Em plena ditadura militar, com participação direta de Juca e outros grandes nomes da época e da história brasileira, como o publicitário (entre outras coisas) Washington Olivetto e os jogadores Sócrates, Casagrande e Wladimir, o movimento foi também uma bandeira poderosa na luta pelas eleições diretas no Brasil.

    Mais recentemente, podemos citar a criação do movimento Bom Senso FC, com a atuação de nomes como Paulo André e Alex, que almejava, principalmente, o amparo aos jogadores de clubes menores, que não recebem a atenção midiática ou o glamour da fama, desamparados pela CBF, órgão máximo do futebol brasileiro, além de ajustes de calendário e outras reformas necessárias para a transformação do atual estado lamentável do futebol brasileiro em algo mais perto daquilo que - como diz o nome do movimento - manda o bom senso.

    É bem verdade que estes movimentos são, em sua ampla maioria, sufocados e silenciados, os jogadores ousados que os fomentam são defenestrados e, na prática, pouquíssimo muda. Esse pode ser tema de algum outro texto. Por ora, me atenho ao futebol como ferramenta. 

    Qualquer um que junte dois com dois sabe dizer que, inegavelmente, quando falamos de futebol, falamos do maior produto cultural do Brasil. É na internet, no cinema, na televisão, nos filmes, novelas e séries, na literatura, nas grandes mídias, nas posições de destaque, naturalmente, que o processo de produção de heróis e símbolos, nacionais ou individuais, se estabelece. E é também no futebol. É para os Pelés, Martas, Zicos e Formigas que muitos dos olhos entre os pequenos e pequenas se direcionam, desde muito cedo. São estas vozes que quer ouvir o brasileiro - principalmente durante os tempos mais sombrios. Nenhum outro produto de massas tem tamanha força. Não em solo tupiniquim. Darcy Ribeiro, uma das maiores figuras públicas da história nacional, também em entrevista ao Roda Viva, em 1995**, disse: "a pátria do brasileiro comum é o futebol." 

    Está dada a razão de ser o futebol um espaço de luta política. Porque é espaço de transformação social. Mudança de vidas. Famílias e comunidades inteiras. Sonhos. E, sendo espaço, precisa ser disputado e ocupado. Ocupados por toda a gente. Seja qual for a sua raça, o seu gênero ou a sua orientação sexual. Não apenas nas "arenas"; nas mesas do comando. É isto ou a barbárie. E já temos convivido com suficiente barbárie. 

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*Link para a entrevista de Juca Kfouri, no Roda Viva: https://www.youtube.com/watch?v=lx30I8yi3Cw

** Link para a entrevista de Darcy Ribeiro, no Roda Viva: https://www.youtube.com/watch?v=AAFzOemlAbg


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